terça-feira, fevereiro 27, 2007

CATARSE

Pedro Augusto sentado no vaso lendo caderno de saúde do jornal de sua cidade, querendo ficar mais magro Maria Alice pulando na micareta do Chiclete com Banana no sol de 40º graus (já tinha beijado 32 na primeira hora de folia). Ângelo deitado no seu quarto - luz apagada e chorando a namorada que o largou para ficar com o coroa rico - e Carlinhos ?Comilão? filosofando na padaria, contando sobre suas mulheres, seu excelente desempenho sexual e sua facilidade em conquistar as mais gatas meninas da cidade.
Os casados que querem se separar jogando bola, as solteiras que querem casar comprando vestidos no shopping, os fiéis, os não fiéis, os safados, os certinhos, o garanhão, a vagabunda, o velho e o novo, o barrigudo e o sarado, todos se propondo a viverem uma coisa tranqüila, a estarem (no fundo) ao lado de alguém que os amem, os respeitem e principalmente ?os façam felizes?, para todo o sempre?!
Todos (ainda que não conscientes) procurando no vão de um copo de cerveja e um ?olhar-sorriso? na mesa de um barzinho uma esperança, uma vontade de chamar alguém de seu, entre a saída com as amigas e o jogo de sinuca na Lapa aquele olhar ?entrão? do rapaz dos olhos verdes de sorriso de comercial dentário e aquele involuntário aumento nos batimentos cardíacos:
- Marina, ele ta olhando pra mim?
Da conversa o acariciar o rosto, beijar como quem nunca beijou, o abraço verdadeiro, aquele singelo ?se cuida?, o telefonema no meio da madrugada ?? é só saudade? , a vontade de estar junto, ser algo novo, ser algo inteiro, unir pedaços, almas gêmeas, se apaixonar, o querer ?amar pra sempre?, ainda que hoje esteja na moda se separar, a liberdade sexual, a facilidade total das coisas que cerne sexo, dos direitos da mulher, do trabalho para todos, mães solteiras, pais ??juntados??, o viver sozinho não simboliza mais a solidão, a mulher sapatão , o cara maluco que faz suas necessidades na parede, a gorda encalhada, o velho babão ou o homossexual que gosta de receber garotões no seu apartamento. Mulheres que moram sozinhas, bem resolvidas, solteiras com mais de 30 e sem medo da solidão, quarentões estilos ?nova geração? que curtem a ?night? e adoram cuidar do corpo, amigas que dividem apartamento e não vêem a hora de morarem sozinhas. Mário Quintana - que já na casa dos 80 - morava sozinho e adorava se apaixonar, sem o dizer de ser sempre pela mesma pessoa, dizia que gostava de gente.
Vivemos, definitivamente, um novo tempo, uma nova cultura, uma nova sociedade, novos tipos de família, fugindo da regra: pai, mãe e filho, escorregando pelo machismo de outrora da mulher que casava e era sustentada, da renda familiar ser, apenas, a renda do pai, e o fim do casamento que deveria se frutificar (quase que obrigatoriamente) com um ou mais filhos, para provar a todos a virilidade do patriarca.
De uma forma ou de outra a nova sociedade consegue sair um pouco do antigo eixo familiar que era dependente de questões religiosas, bíblicas e transcendentais ao entendimento humano. Casamento entre homem e mulher nem sempre se faz filho, a união entre o mesmo sexo, o viver só e por opção sem a necessidade e pensamento primitivo ? limitado - de se ter alguém para lhe servir, lhe ser seu, de posse.





A nova visão de união, penso, talvez deva vir de agregar e não segregar, juntar amigos, namoradas, esposas, festas íntimas, afinidades, cumplicidade, do sair junto e sair separado terem o mesmo peso, não ser disputa e sim ser correr do mesmo lado, se for pra ser, que seja de igual valor - ?vento que venta lá, venta cá? - seu chopp de sexta nada difere do dela de quarta com as amigas, seu futebol com os amigos e o conversar dela com as amigas na livraria tomando café é normal aos dois.

Penso que chegará o dia que as relações terão o mesmo peso, o mesmo valor para homem e para mulher, chegará o dia onde viveremos mais tranqüilos sozinhos sem o fantasma da depressão, do ?estar abandonado?, do ?ninguém me quer, ninguém me ama? e seremos menos vítimas do amor romântico do que agora, embora eu tenha a certeza de que hoje já se apresente de forma bem diferente da época de nossos avós. Ainda há, de fato, grandes resquícios da idealização da pessoa ideal, do ?ate que a morte nos separe? e também ? do que Deus enviou pra mim?, creio que chegará o dia que as pessoas escolherão viver juntas por afinidades, por agregação de idéias, valores, gostos, por carinho, por tesão equilibrado ao delicioso conversar na cama e o vagar a dois pela casa será algo que sempre nos acrescente, que nos importaremos mais em nos nutrirmos e nutrir o outro, do que casar apenas por paixão, tesão ou essa relação serviçal e unilateral que tínhamos na década passada: na mulher como companheira e não como propriedade do homem. Chegará o dia em que tudo que dissermos será poesia e viveremos bem e felizes, juntos ou sozinhos, sem temermos o desconhecido da solidão de outrora, seremos melhores e mais felizes sem projetar no outro nossa vida inteira e sem precisarmos fazer ninguém de bengala para nossas dores. Se juntarão sem precisar de testemunhas, vestido de noiva e ?frack? grafite.

HUGO MENDES GUIMARAES
26/02/07
** Grato a Revisão de Priscila Bispo

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Chegando ao RJ

Ainda por volta de 14 horas e 30 minutos o ônibus executivo, de ar refrigerado e cheirando a novo, chegava à rodoviária Novo Rio. Vindo diretamente da região dos lagos, da grande janela eu avistava um domingo ensolarado nas ruas, os vendedores com seus tonéis de bebida correndo entre os carros, a fumaça dos caminhões, o velho sujo sentado abaixo da escrita ??GENTILEZA GERA GENTILEZA??, o Rio de Janeiro continua lindo?!
O ônibus vira para finalmente chegarmos ao desembarque, tiro de cima de mim a coberta, o saco de biscoito e a água mineral. O ônibus para, todos se levantam, arrumam seus pertences e descem,andando calmamente pelo corredor e chego próximo à porta, assim que coloco meus pés no chão sinto aquele bafo quente, que me dá as boas vindas.
O calor, a gritaria, o corre-corre, as mochilas, as bolsas de viagem, sai pela esquerda no meio da confusão do passageiro que não encontrava sua mala e fui caminhando com minha pequena mochila nas costas, óculos escuros embaçado pelo suor que meu rosto produzia e sai caminhando por dentre a rodoviária para então sim aguardar o ônibus que me levaria a minha residência, do outro lado da pista.
Atravessei a passarela e ao chegar ao outro lado senti minhas costas molhadas pelo suor, as axilas, o rosto, tirei os óculos escuros, passei a blusa no rosto e continuei a caminhar, paralelo ao CAIS do porto, aquele povo todo aguardava suas conduções esperei alguns minutos ,e uma van (que também me servia) passou, não pensei duas vezes: fiz sinal..Transporte coletivo secundário vazio, eu e mais uma senhora - bem acima do peso - que estava ensopada de suor, ofegante, respiração acelerada pediu ao motorista pra abrir as janelas. Esse com uma cara de quem comeu e não gostou, começou falando sozinho e terminou a ela:
- Porra é foda... Só abrir, a senhora não tem braço não?

Eu ali sentado ao lado oposto do motorista na última ?carreira? de bancos me levantei e abri as janelas enquanto a senhora soltava um belo: - vá pro inferno seu demônio, nem pra abrir uma janela. O motorista fez que não ouviu e continuou a dirigir naquele lento ?cata-cata? de gente nos pontos, a cada 300 metros ele diminuía a velocidade, piscava o farol algumas vezes, e outras parava para pegar mais passageiros.
Quieto eu observa as ruas pela janela suja da van, as pessoas correndo, os ônibus lotados, os vendedores, as famílias vindo da praia, o vendedor de churrasquinho, as dezenas de barracas de açaí, suco, x - tudo, lingüiça, bebidas, bucho e camarão, etc..

Avenida Brasil de grandes buracos e deformações no asfalto, ao lado dos pontos a sujeira que tomava conta de sacos de lixo, copos de açaí a pneus de caminhão estourados, no lento percurso, outra parada, mais passageiros entrando, mais calor, o vendedor se aproxima, puxo um real do bolso e compro uma água mineral.
Continuo observando a pista, os grandes galpões vazios, à venda, alugando, uns queimados outros abandonados, os barracos a beira da estrada, as favelas, o valão, o funk carioca tocando em frente à casa de borracharia, as vielas, a sujeira, o cavalo magro, um ou dois colchões queimados fechando uma rua, crianças sujas correndo sem roupa, o cachorro atropelado, as senhoras fazendo churrasco na laje e se esbaldando com água da mangueira ao som do pagode ?... toda noite eu saio a sua procura...?.
De repente me flagrei a pensar em tudo isso e assim me passava como um filme na mente essas palavras que, juntas, formam esse encadear de idéias que agora escrevo.

Pensamentos que tive ali dentro, naquele trajeto até minha casa, comparei - ainda que inconscientemente - ao lugar de onde acabara de chegar, daquele vento gostoso que passa o dia inteiro pelas ruas, daquele cheiro de mato, o cercado por montanhas verdes, as ruas limpas, uma cidade tranqüila onde os moradores estão mais preocupados com as construções ilegais em área ambiental do que com o Jorge, (filho de seu ?Tide?), vai fazer na novela das 8h. Uma cidade que ainda se encontra longe do caos da violência do Rio e cercada de lindas praias, de um ambiente gostoso de se viver aonde, ainda, se pode caminhar tranqüilo, correr, andar de bicicleta e pouco ouvir ou ver assassinatos, crimes bárbaros e estórias tristes de violência, é pensar em andar tranqüilo pelo seu bairro sem medo de ser encontrado por uma bala perdida.
Perdido dentro de meus pensamentos, não reparei que a van já estivera cheia e que um senhor estava na minha frente, de cara feia, falando
- da licença aí grande, deixa eu sentar.
Disse acanhado
- foi mal, vê se da pra passar!
Encolhi-me, levantei as pernas jogando-as pro lado direito, ele passou, sentou e disse:
- Calor do caralho, ninguém ?guenta? isso não, ainda bem que hoje tem jogo do mengão.

Não entendi bem a colocação dele, muito menos o fato do jogo de futebol minimizar a alta temperatura, mas concordei:
- é verdade!
Depois pensei comigo quieto, deve ser por que com o jogo de futebol ele tenha um motivo pra beber, cerveja é gelada, refresca...
Enfim, pensamentos abstratos à parte voltei a pensar na vida, no passeio, no rio e principalmente no que quero pra mim, pra minha vida, ao lado de uma senhora que goste de dançar comigo, que ria de mim e me faça bem.
Pensei a que me proponho nessa vida, se não escolhi nascer, posso escolher por onde andar, onde envelhecer, e sobre tudo onde e com quem ter uma vida saudável e tranqüila.
E tive a nítida certeza que onde vivo hoje não é mais o lugar saudável e tranqüilo que meus pais viveram há 40 anos atrás, embora seja o mesmo.
E esse, daqui a mais um tempo, não será mais o que hoje representa, o ?homem muda e rio também? já dizia Heráclito.

Olhei pro lado e percebi que já estava em cima do meu ponto, e nem vi chegar, gritei pro motorista que ouvia um som sertanejo.
- Aloww, vou ficar no próximo ai, em frente à antiga loja de carros.
Ele olhou pra trás
- Já é irmão! É nós!
Eu
- Valeu, ?brigadão?, quanto é?
- 4,00 conto, fiel
- Beleza, segura aí.
- É nós, fica com Deus ??na disciplina??!
Coloquei a mochila nas costas, fui andando, e pensando sobre gírias, mas isso é ?papo pra outro desenrolo?.

HUGO MENDES GUIMARAES 25/02/07