segunda-feira, março 05, 2007

MEU PRIMEIRO VIOLAO

MEU PRIMEIRO VIOLAO
- Fala irmão, aí... Tu toca violão há quanto tempo? Aprendeu sozinho?
Disse o rapaz numa festa que eu estava com meu instrumento no colo, dia desses, enquanto saboreava uma cerveja gelada no intervalo de uma canção e outra.
E nesse momento passou-me como filme na cabeça, mais uma vez, minha adolescência na praça perto de casa, no banco, à noite, os amigos, conversas, amores, paixões, madrugada adentro, primeiros porres de vinho (daqueles garrafões de 5 litros), muita música, ventos frios do meio de ano, poesias avulsas gravadas num daqueles pequenos gravadores, de fitas menores ainda, - como lembro disso tudo-.
Das paixões platônicas, das descobertas, dos papos filosóficos, do que queríamos ser, fazer, como desejaríamos estar com a idade que agora temos, engraçado escrever isso hoje e pensar que o tempo passou.
Lembro-me que trocávamos qualquer discoteca, festa, shows por aquela praça numa sexta à noite. Todos se arrumavam e se encontravam naquele especifico banco, o ?ratátá? pra comprar o vinho, os violões, as bicicletas encostadas, as meninas, os meninos, uns sentados no banco, outros no ferro que envolvia um retângulo no chão e servia, também, de banco (até hoje não sei pra que servia aquilo, senão pra sentar e apoiar pedal de bicicleta).
As primeiras madrugadas que passamos acordados noite adentro, choros, gargalhadas, brincadeiras, beijos, e também meus primeiros acordes no violão.
- Coé cara, me ensina a tocar violão aí.
E o mais velho do grupo:
- Pô, é que meu violão é pra canhoto, ?arruma? um que eu te dou uns toques.
E voltou ele a tocar, fixado os olhos na menina que ele gostava enquanto essa conversava com outro.
Época meio complicada pra nós, sem dinheiro, adolescentes, sem saber o que fazer, curso pré-vestibular, nervos a flor da pele, pressão dos pais...
- Só quer saber de ficar nessa porra de praça enxugando a garrafa de vinho? Sai disso meu filho que isso é ?rabo de foguete? (dizia meu pai)
Mas foi a ele mesmo que pedi, no alto dos meus 17 anos, meu primeiro violão.
- Pô, Gudo (apelido de meu pai), queria aprender a tocar violão.
- É bom, e por que não aprende?
- É que tenho que ter o instrumento. o Gabiru, namorado da minha irmã, que é musico, me disse isso, disse que ate me ensina, mas só quando eu tiver o meu.
Meu pai com aquele olhar de quem pensa, ?sobrou pra mim?
-Meu filho, eu tô tão duro e numa maré tão ruim, que se eu montar um circo, o anão cresce (lembro-me, claramente, dessas palavras).
Fiquei meio desanimado, continuamos a conversar e ele me contou das dívidas, das contas do mês, do meu curso pré-vestibular etc.. Etc...Etc... , mas no final comentou:
- A não ser que você queira ir à feira comigo no domingo, lá em Areia Branca...
De repente a gente arruma um violão barato lá pra você, o que acha?
Não pensei duas vezes e domingo ensolarado pegamos o famoso ônibus São Jorge para a feira, lá chegando vi de tudo, barracas de cd, lingüiça, cordões, camisas, banana, relógios, fios, conectores, gente vendendo cachorro, gato, trocando passarinho, vídeo game, peças de carro espalhadas pelas lonas no chão, barracas de caldo de cana com pastel.
- é 1 real, é 1 real
Aquela ?muvuca?, gente de tudo que é tipo e tamanho, com seus pertences na mão para trocar e vender, era tanta coisa que eu me vi impressionado, me perdi do meu pai e minutos depois pude avistá-lo numa barraca de laranja mordendo a fruta com casca e tudo e chupando:
- essa tá boa Zé, tá quanto?
- R$3,00 a dúzia, chefe.
- E pra quem tá ?rezando pra chover? sai a quanto?
- Sr. é foda (disse rindo), dá R$2,00 aí na dúzia
- Safo. Coloca duas dúzias então e me dá essa banana também que tá com a cara boa.
Encheu a bolsa, me aproximei dele:
- toma aí filho, leva pra mim!
Fui andando com aquela bolsa pendurada nas costas no meio do povo, meu pai parando em tudo que era barraca já me deixava nervoso:
- Fala ai camarada, quanto ta essa chave de ?grifa??
-?4 conto?, chefia
- Não, mas eu queria uma só (disse no tom irônico)...
- Menos de R$2,00 eu não faço não
- Tá safo. Dá pra cá. Faz a de fenda por R$1,00? Te dou R$3,00 aqui, fechado?
- Tranqüilo, segura aí.
Colocou as ferramentas na bolsa junto às frutas e continuamos a andar quando ele gritou lá da frente.
- Hugo, tem um violão aqui.
Apressei-me empurrando o povo e cheguei rápido até lona do senhor espalhada no chão com algumas pecas de vídeo game, fitas, fios, uma guitarra quebrada e um violão velho com duas cordas arrebentadas.
E meu pai disse:
- Tá pra quanto esse violão?
- R$40,00 chefe. Só colocar as cordas!
Peguei o violão e o vi aranhado, meio quebrado, velho, duro, desafinado, mas lembrei-me de que alguém tivera me ensinado a ver se o braço desse instrumento estava empenado, que era o mais importante,e pude perceber que não estava, fiz cara de quem entendia e disse:
- R$40,00? Dá não moço, ??brigadão?? mas é que ele está todo empenado, dá nem pra tocar. Isso ai serve só pra lenha de fogueira.
Meu pai me olhou com aquela cara de quem diz:
- E tu lá entende de violão?
O vendedor então disse
- Faz o seguinte, me dá R$20,00 nele e tu conserta isso aí!
Meu pai se meteu e disse
- É que a gente só tem R$10,00... Senão a gente volta andando pra casa.
- Dá R$15,00 e ?morreu? a parada
Demos o dinheiro a ele, segurei o violão com a mão esquerda, com a direita a sacola, e fomos andando enquanto meu pai dizia:
- Mas como você vai fazer pra tocar com isso ai ruim?
- Tá ruim não cara, só colocar as cordas, meti um ?caô? pro cara.
- Como é que você faz um negócio desse, meu filho? Tá aprendendo isso com quem?
Olhei pra ele sorrindo e disse
- Com ninguém não, pai... Com ninguém não
E assim adquiri meu primeiro violão, duro, de cordas de aço que acabaram com as pontas do meu dedo, mas não me deixaram desistir. Revistinhas de cifras, dedilhados, e a perturbação com os amigos para me ensinarem alguma música fácil, até o dia que consegui tocar ?Que país é esse??, e nunca mais parei. Aprendi com o pior violão que tinha, com maior dificuldade, mas insisti até conseguir.
- Ou, irmão? Tá doidão? Só, te perguntei como tu aprendeu essa parada, se tem muito tempo...
Achei maneiro, teu violão é show de bola também, fica bolado não. Tá ?quietão? aí depois que perguntei a parada.
Sorri, olhei para o cara e disse:
- É que é uma longa história - disse rindo - enquanto começava a tocar outra música.
HUGO MENDES
03-03-07

9 Comentários:

Blogger Seu Cuca said...

Está ficando sempre melhor =)

É curiosa a influência de nossos pais e avós.

Minha avó esqueceu-se do Rio Card em casa, só se lembrou justo na hora de tomar o trem. Trem em 2007, na Baixada Fluminense, só pode mesmo ser coisa de Sêniores.

Depois de longa discussão com a cobradora, esta última resolveu lhe atender o pedido de conversar com o fiscal.

- Ô moço, o senhor não tem avó? Não tem ninguém mais velha na família?
- Dona, eu não posso.
- Eu esqueci, moço! Não faz isso com a sua avó... Eu sou pensionista...
- Ai, ai. Tá bom, dona. Mas vai rapidinho ali pelo canto, se o outro fiscal ver a senhora vai dar problema pra mim!
- 'Brigado, meu filho! Na minha casa tem jaca, sabia? Amanhã eu vou trazer uma jaca pra você! Você vai ver!
Provavelmente assustado com a hipótese de levar o trambolho pra casa, o fiscal frisa:
- NÃO! Jaca não, minha senhora! Não traz jaca nenhuma! O que eu vou fazer com uma jaca?!?!

Minha avó gira sobre os calcanhares e, risonha, diz baixinho - Enfia no CÚ, filho da puta!, ao que começa a rir.

O fiscal pôde ouvi-la. Para sua surpresa, chorou e disse que não esperava aquilo de uma velha senhora.

Tal pai, tal filho. E por aí vai =)

seg. mar. 05, 06:08:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pequenos acontecimentos em nossas vidas podem deixar marcas incriveis e inesquesciveis. A vida é feita de desejos, sonhos e realizaçoes e junto com a soma de todos estes sentimento que a construimos bem.

seg. mar. 05, 06:28:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Isso é pura cultura Gudiana!
Coisas que só se aprende com seu gudão e sua fantástica viagem pelas feiras da baixada fluminense.
Sei muito bem o que é isso. Foi indo nas feiras de Areia Branca, Heliópolis e principalmente a de Belford Roxo ( essa era a maior de todas e íamos muito)acompanhando o super gudão, que por exemplo, entre outras coisas, aprendi a dirigir.Meu pai sempre fez questão que o acompanhávamos nessas aventuras semanais. Ali aprendi a negociar e a valorizar meu dinheiro. a viver entre pessoas simples e assim desenvolver minha simplicidade. Outra coisa que muito fiz com o grande Gudão era andar a pé todo o centro comercial do Rio de Janeiro, da Praça Mauá á rua do Riachuelo.Se hoje conheço tão bem o Rio, devo isso ao meu Pai.
Valeu Brow!!! Muito Bom!!!

seg. mar. 05, 07:10:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Cara, muito bom mesmo !
É muito legal lembrar dessas histórias ...

seg. mar. 05, 10:48:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ehhe!!, cara!!, legal mesmo!!!
E ainda não paguei o IPTU do ratátá
alguém já deve estar até com uso capião dele, boas
histórias.
Histórias e contos, que renderiam talvez um dia inteiro, lembranças de muitas amizades, que iniciou a disperção com a chegada do morcegão, mas isso é uma outra história.
Muito bom Guimarães meus parabés!!!.

ter. mar. 06, 02:44:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

OPS!!!, parabéns!!!.

ter. mar. 06, 02:50:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Aí Hugo.
Morcegão ! Essa história foi boa.
Vale como sugestão para mais um texto teu.

Valeu.

ter. mar. 06, 07:10:00 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

agora a gente já sabe de onde vem teu 171...
coisa de genética...
hehehe
ta maneiro, conta essa do morcegao ae.

=P

qui. mar. 08, 10:57:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Adorei!!
Beijos p vc
Denise

sex. mar. 16, 12:56:00 AM  

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