segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Chegando ao RJ

Ainda por volta de 14 horas e 30 minutos o ônibus executivo, de ar refrigerado e cheirando a novo, chegava à rodoviária Novo Rio. Vindo diretamente da região dos lagos, da grande janela eu avistava um domingo ensolarado nas ruas, os vendedores com seus tonéis de bebida correndo entre os carros, a fumaça dos caminhões, o velho sujo sentado abaixo da escrita ??GENTILEZA GERA GENTILEZA??, o Rio de Janeiro continua lindo?!
O ônibus vira para finalmente chegarmos ao desembarque, tiro de cima de mim a coberta, o saco de biscoito e a água mineral. O ônibus para, todos se levantam, arrumam seus pertences e descem,andando calmamente pelo corredor e chego próximo à porta, assim que coloco meus pés no chão sinto aquele bafo quente, que me dá as boas vindas.
O calor, a gritaria, o corre-corre, as mochilas, as bolsas de viagem, sai pela esquerda no meio da confusão do passageiro que não encontrava sua mala e fui caminhando com minha pequena mochila nas costas, óculos escuros embaçado pelo suor que meu rosto produzia e sai caminhando por dentre a rodoviária para então sim aguardar o ônibus que me levaria a minha residência, do outro lado da pista.
Atravessei a passarela e ao chegar ao outro lado senti minhas costas molhadas pelo suor, as axilas, o rosto, tirei os óculos escuros, passei a blusa no rosto e continuei a caminhar, paralelo ao CAIS do porto, aquele povo todo aguardava suas conduções esperei alguns minutos ,e uma van (que também me servia) passou, não pensei duas vezes: fiz sinal..Transporte coletivo secundário vazio, eu e mais uma senhora - bem acima do peso - que estava ensopada de suor, ofegante, respiração acelerada pediu ao motorista pra abrir as janelas. Esse com uma cara de quem comeu e não gostou, começou falando sozinho e terminou a ela:
- Porra é foda... Só abrir, a senhora não tem braço não?

Eu ali sentado ao lado oposto do motorista na última ?carreira? de bancos me levantei e abri as janelas enquanto a senhora soltava um belo: - vá pro inferno seu demônio, nem pra abrir uma janela. O motorista fez que não ouviu e continuou a dirigir naquele lento ?cata-cata? de gente nos pontos, a cada 300 metros ele diminuía a velocidade, piscava o farol algumas vezes, e outras parava para pegar mais passageiros.
Quieto eu observa as ruas pela janela suja da van, as pessoas correndo, os ônibus lotados, os vendedores, as famílias vindo da praia, o vendedor de churrasquinho, as dezenas de barracas de açaí, suco, x - tudo, lingüiça, bebidas, bucho e camarão, etc..

Avenida Brasil de grandes buracos e deformações no asfalto, ao lado dos pontos a sujeira que tomava conta de sacos de lixo, copos de açaí a pneus de caminhão estourados, no lento percurso, outra parada, mais passageiros entrando, mais calor, o vendedor se aproxima, puxo um real do bolso e compro uma água mineral.
Continuo observando a pista, os grandes galpões vazios, à venda, alugando, uns queimados outros abandonados, os barracos a beira da estrada, as favelas, o valão, o funk carioca tocando em frente à casa de borracharia, as vielas, a sujeira, o cavalo magro, um ou dois colchões queimados fechando uma rua, crianças sujas correndo sem roupa, o cachorro atropelado, as senhoras fazendo churrasco na laje e se esbaldando com água da mangueira ao som do pagode ?... toda noite eu saio a sua procura...?.
De repente me flagrei a pensar em tudo isso e assim me passava como um filme na mente essas palavras que, juntas, formam esse encadear de idéias que agora escrevo.

Pensamentos que tive ali dentro, naquele trajeto até minha casa, comparei - ainda que inconscientemente - ao lugar de onde acabara de chegar, daquele vento gostoso que passa o dia inteiro pelas ruas, daquele cheiro de mato, o cercado por montanhas verdes, as ruas limpas, uma cidade tranqüila onde os moradores estão mais preocupados com as construções ilegais em área ambiental do que com o Jorge, (filho de seu ?Tide?), vai fazer na novela das 8h. Uma cidade que ainda se encontra longe do caos da violência do Rio e cercada de lindas praias, de um ambiente gostoso de se viver aonde, ainda, se pode caminhar tranqüilo, correr, andar de bicicleta e pouco ouvir ou ver assassinatos, crimes bárbaros e estórias tristes de violência, é pensar em andar tranqüilo pelo seu bairro sem medo de ser encontrado por uma bala perdida.
Perdido dentro de meus pensamentos, não reparei que a van já estivera cheia e que um senhor estava na minha frente, de cara feia, falando
- da licença aí grande, deixa eu sentar.
Disse acanhado
- foi mal, vê se da pra passar!
Encolhi-me, levantei as pernas jogando-as pro lado direito, ele passou, sentou e disse:
- Calor do caralho, ninguém ?guenta? isso não, ainda bem que hoje tem jogo do mengão.

Não entendi bem a colocação dele, muito menos o fato do jogo de futebol minimizar a alta temperatura, mas concordei:
- é verdade!
Depois pensei comigo quieto, deve ser por que com o jogo de futebol ele tenha um motivo pra beber, cerveja é gelada, refresca...
Enfim, pensamentos abstratos à parte voltei a pensar na vida, no passeio, no rio e principalmente no que quero pra mim, pra minha vida, ao lado de uma senhora que goste de dançar comigo, que ria de mim e me faça bem.
Pensei a que me proponho nessa vida, se não escolhi nascer, posso escolher por onde andar, onde envelhecer, e sobre tudo onde e com quem ter uma vida saudável e tranqüila.
E tive a nítida certeza que onde vivo hoje não é mais o lugar saudável e tranqüilo que meus pais viveram há 40 anos atrás, embora seja o mesmo.
E esse, daqui a mais um tempo, não será mais o que hoje representa, o ?homem muda e rio também? já dizia Heráclito.

Olhei pro lado e percebi que já estava em cima do meu ponto, e nem vi chegar, gritei pro motorista que ouvia um som sertanejo.
- Aloww, vou ficar no próximo ai, em frente à antiga loja de carros.
Ele olhou pra trás
- Já é irmão! É nós!
Eu
- Valeu, ?brigadão?, quanto é?
- 4,00 conto, fiel
- Beleza, segura aí.
- É nós, fica com Deus ??na disciplina??!
Coloquei a mochila nas costas, fui andando, e pensando sobre gírias, mas isso é ?papo pra outro desenrolo?.

HUGO MENDES GUIMARAES 25/02/07

5 Comentários:

Anonymous Anônimo said...

Muito bom...aliás não é a primeira vez que leio algo deste rapaz...já tive o prazer de ler antes e gostei muito. Continue escrevendo e eu continuarei lendo...

seg. fev. 26, 02:31:00 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

mas uma vez, hugo mendes guimarães, poeta iguaçuano de coração, nos surpreende com a simplicidade do que é óbvio e com a casualidade do q é belo, contando de forma despojada, ingênua a rotina do q é viver e se encantar com o q é "ordinário".

Já te disse e repito: larga td e vira escritor. Se nao pôde escolher ter nascido, ao menos essa escolha vc pode fazer, e já tá mais q na hora mané!
Meus parabéns pelo excelente texto.
teu amigo q mto te admira!
Thiago.

seg. fev. 26, 02:45:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Bom, na verdade devería fazer cinema, é disso que o país precisa, de criatividade e um pouco de ideias.
Boa!!!!.

sex. mar. 02, 04:42:00 PM  
Blogger Cena Independente said...

texto muito expressivo, e muito bem escrito,
esse é o tradicional Rio De Janeiro

seg. mar. 05, 05:51:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

adorei o texto, mas... eu raramente danço!!! rss. e aí, como é q faz???

qui. mar. 08, 06:06:00 PM  

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